sábado, 6 de junho de 2020

Carta da APG-IA sobre a cobrança do lato sensu

No dia 01/06 a Congregação do Instituto de Artes votou CONTRA a proposta de cobrança dos cursos lato sensu! Por 10 votos a 5, o IA diz #PósPagaNão!!!! A APG-IA leu uma carta na congregação. Compartilhamos aqui o seu conteúdo.


















Carta da APG-IA à Congregação do Instituto de Artes da Unicamp

Nós da Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos do Instituto de Artes da Unicamp vimos através desta carta expressar nossa preocupação e descontentamento com a retomada da proposta da reitoria de alterar o regimento de pós-graduação para permitir a cobrança dos cursos Lato Sensu.
Antes de mais nada, gostaríamos de registrar que nos causa espanto a retomada dessa pauta num momento absolutamente atípico, no qual todos os esforços deveriam estar voltados à resolução de problemas decorrentes da pandemia de COVID-19 que estamos enfrentando e ao planejamento de nossas próximas ações, incluindo a retomada das atividades presenciais quando for o momento oportuno. Consideramos que, por se tratar de uma pauta polêmica e que trará mudanças significativas, esta deveria ser debatida com a devida atenção quando retornada a normalidade.

A proposta de regulamentação da cobrança da pós-graduação Lato Sensu foi apresentada pela primeira vez em maio de 2019. Desde aquele momento, nós das representações discentes junto com estudantes tanto da pós quanto da graduação fizemos um longo estudo da tramitação da proposta e identificamos uma série de problemas que ela poderá acarretar à Unicamp, colocando em xeque um dos seus princípios fundamentais, o do acesso gratuito e universal. Essas fissuras não foram apontadas somente por nós, mas por docentes que também receberam a proposta com surpresa e indignação.

A reitoria argumentou reiteradas vezes que a cobrança da pós-graduação Lato Sensu é uma realidade em outras universidades após ter sido permitida pelo STF, que interpretou que essa cobrança não fere a Constituição. De fato esse argumento é correto. Mas nos parece que uma universidade que tanto se vangloria de ser uma das melhores da América Latina deve trazer consigo, além dos louros, a responsabilidade de dar bons exemplos às demais instituições, ao invés de adequar-se às suas falhas. Não é porque as outras fazem que a Unicamp deve fazer também. A cobrança da pós-graduação Lato Sensu impõe à Unicamp uma lógica mercadológica que nada tem a ver com os princípios que regem – ou deveriam reger – esta prestigiosa instituição, tais como o acesso universal e igualitário a um ensino de qualidade e preocupado com o desenvolvimento e bem-estar da sociedade.

Outra argumentação utilizada é que a cobrança de cursos Lato Sensu poderá ser revertida em verba para a própria Unidade. Inclusive, é importante destacar que mais do que o mérito da cobrança de cursos, o que norteou a discussão da reunião do STF que permitiu a cobrança foi o sucateamento da universidade em virtude do pouco investimento dos governos, expondo a situação de algumas universidades estaduais e federais. Assim, a possibilidade de conseguir mais verba com a cobrança da pós-graduação lato sensu pode soar tentadora, considerando que esse sucateamento da educação pública brasileira é agora, mais do que nunca, um projeto de governo. Porém, esse pensamento nada mais faz que eximir os governos estadual e federal da responsabilidade que lhes cabe de dar todas as condições necessárias para o bom funcionamento das instituições públicas de ensino. Ademais, permitir a cobrança de cursos dentro das universidades abrirá um precedente para o processo que se avizinha de perda de autonomia para a iniciativa privada. O risco é iminente: quem investe, determina o que interessa e o que não interessa. Novamente vale apontar a argumentação que se deu no STF: os ministros criticaram a autonomia universitária - um dos maiores orgulhos das universidades paulistas e uma conquista que celebrou 30 anos em 2019 - e muitos se mostraram favoráveis a abrir imediatamente a discussão para permitir a cobrança também dos cursos stricto sensu.

Soma-se a isso a visão equivocada que alguns ministros demonstram ter da pós-graduação. Para que seja possível compreender melhor o nível da discussão, citamos com infelicidade o ministro Dias-Toffoli: “O Estado financia formações individuais para que a pessoa tenha a titulação para o mérito dela e não para o retorno à sociedade. Muito diferente do que como países, como Estados Unidos e a Alemanha, em países os quais a maioria das instituições de Ensino Superior são privadas... As políticas públicas e as pós-graduações são voltadas aos interesses da sociedade e do mercado, para o desenvolvimento da nação. Aqui no Brasil muitas vezes o Estado financia mestrados e doutorados para ver por que que formiga anda em fila, para a pessoa receber uma titulação e aquilo depois para a sociedade não vai ter retorno nenhum. (...) Não se financia um projeto para a vaidade pessoal, para o orgulho pessoal. Tem que ser financiado para um retorno à sociedade!”

É extremamente infeliz que um ministro pense assim sobre o nosso ensino superior, minimizando a pesquisa brasileira e falando que ela serve para vaidade pessoal. No ano passado aconteceu o movimento ciência na rua e estudantes do Instituto de Artes participaram levando arte, cultura e pesquisa para as ruas. A própria reitoria da Unicamp se preocupa em mostrar que o que se faz na universidade tem como propósito dar um retorno à sociedade, realizando inúmeras campanhas e endossando outras, como a Marcha pela ciência da ABPC. A direção do nosso instituto, junto com toda a comunidade do IA, também têm pensado incansavelmente na importância que a arte tem neste momento de pandemia, o que resultou em uma campanha de solidariedade e no projeto IA em Casa. É óbvio que podemos sempre melhorar nosso diálogo com a sociedade, abrir mais as portas da universidade com extensão e democratizar o acesso ao ensino, mas muito se fez nos últimos anos. Assim, temos razões para nos orgulharmos e repudiarmos a fala leviana do ministro, bem como falas semelhantes nesse sentido. Essa reunião do STF foi um ataque à educação pública brasileira.

No caso do nosso Instituto, está mais do que explícito que o novo projeto de Brasil definitivamente não nos inclui. Apoiarmos iniciativas como esta é assinar nossa sentença de morte. É preciso defender até o fim os princípios que regem a universidade pública, pois só assim poderemos garantir que pesquisas no campo das artes continuem existindo. Se até dois anos atrás isso parecia alarmismo, hoje essa realidade bate à nossa porta, como pode ser visto, por exemplo, na exclusão recente das humanidades como áreas estratégicas para o financiamento de pesquisas. Por isso mesmo, mais do que nunca precisamos de união entre as humanidades. Apelamos para que a congregação do Instituto de Artes apoie a decisão de suas unidades irmãs: a Faculdade de Educação, a Faculdade de Educação Física, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e o Instituto de Estudos da Linguagem votaram contra a proposta de cobrança do lato sensu em suas congregações.

Não conseguimos vislumbrar para o Instituto de Artes nenhuma vantagem advinda da cobrança de pós-graduação Lato Sensu. É preciso ainda que se considere que o público-alvo do nosso Instituto – a classe artística – vive constantemente em situações de delicadeza financeira, considerando as condições de subemprego que temos que enfrentar no mercado de trabalho e que ainda assim são ameaçadas constantemente, como vimos no final do ano passado com a retirada de inúmeras profissões artísticas do registro MEI, que foi revertida graças à mobilização nacional de artistas. Assim, a cobrança de um curso que visa dar o grau de especialista para auxiliar esse profissional em sua carreira cria um paradoxo, pois este indivíduo não terá condições financeiras de acessar essa oportunidade. Isso somente contribui para aumentar o abismo social que enfrentamos diariamente.

Além disso, acreditamos que a escola de extensão da Unicamp já contempla nosso instituto por oferecer mais liberdade e flexibilidade na estrutura dos cursos. Como disse o Prof. Dr. Fernando Hashimoto, Pró-Reitor de Extensão e Cultura, no Instituto de Artes um docente pode montar um curso de especialização modalidade extensão com uma equipe com vários docentes de fora da Unicamp, o que seria dificultado com as regulamentações do lato sensu.
Diante dos pontos acima levantados, recorremos ao bom senso das conselheiras e dos conselheiros para que reflitam sobre o impacto negativo que a aprovação da cobrança de cursos de pós-graduação Lato Sensu causará sobre toda nossa comunidade, além do risco que isso trará para as áreas de humanidades e mais especificamente para as artes. É nossa responsabilidade enquanto estudantes, docentes e funcionários defender a Universidade Pública. Agradecemos pela possibilidade de nos expressarmos na congregação.

Atenciosamente,
Associação de Pós-Graduandas/os do Instituto de Artes
01 de junho de 2020

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