quinta-feira, 25 de junho de 2020

Carta à Congregação sobre o encerramento do 1º semestre

Carta de Estudantes da Graduação e da Pós-Graduação à 257ª Sessão Ordinária da Congregação do Instituto de Artes

Elaboramos este documento como forma de expressar as preocupações e propostas das/os estudantes e entidades que o assinam. Pedimos que seja lida por todos os membros do corpo docente e funcionárias/os de nossa unidade, em especial pelos representantes que estarão presentes na próxima congregação do dia 25 de junho.



 













Sobre as dificuldades enfrentadas:
 
A continuidade do semestre letivo com atividades não-presenciais causou preocupação desde o princípio. A APG-IA e o CAIA se posicionaram contra a continuidade do semestre, conforme apresentado na 254ª Sessão Ordinária da Congregação do Instituto de Artes, realizada no dia 26 de março de 2020. Destaca-se que o CAIA realizou uma pesquisa em que averiguou que pelo menos 25% do corpo discente não tinha acesso apropriado à Internet para cursar as disciplinas de maneira remota - considerando ainda que foi uma pesquisa online, por não haver outra opção, ela excluiu justamente aqueles estudantes que não têm qualquer acesso à Internet.

Uma vez que o semestre continuou com as atividades não-presenciais, a representação discente passou a se articular e conversar com as coordenações de curso para minimizar os prejuízos para estudantes que estejam com dificuldades para acompanhar as disciplinas, seja por questões materiais ou de saúde física ou mental. Acreditávamos que haveria uma parte do semestre que seria presencial, mas infelizmente o avanço da pandemia impediu que isso fosse possível. Desse modo, a preocupação passou a ser principalmente em relação ao fechamento do primeiro semestre e às avaliações, que até então seriam realizadas preferencialmente após o retorno das atividades presenciais. Vemos incoerência em avaliar a participação nas atividades não-presenciais, sendo que elas eram consideradas opcionais. 

Para compartilharmos como está o panorama de cada curso/programa acerca do semestre em andamento, realizamos uma assembleia de estudantes de graduação e de pós-graduação do Instituto de Artes no dia 18/06, com a presença de mais de 200 participantes. Detalhamos as informações: 

A coordenação de graduação da Música orientou todos os professores a não cancelarem suas disciplinas, por mais complicada que seja a sua execução pelo ensino remoto, e estudantes a não trancarem as disciplinas. Por conta disso, disciplinas práticas estruturais para o curso ficaram em suspenso, sem a possibilidade de ser realizada à distância, e sem um comunicado claro por parte do corpo docente sobre o futuro dessas disciplinas. Os estudantes ficaram desamparados, confusos quanto a desistir da matrícula de uma aula que não estava sendo oferecida. 

Também na música, estudantes de alguns instrumentos ficaram sem qualquer possibilidade de acesso aos mesmos, o que os prejudica pois deveriam estar dedicando uma parte fundamental dos seus estudos, mas dependem da estrutura do Instituto de Artes para estudar instrumentos caríssimos como marimbas, tímpano, piano, contrabaixo. 

Do mesmo modo os docentes da Midialogia, em reunião realizada no começo de abril, tiraram a posição de não cancelar nenhuma das matérias oferecidas, elas possuindo conteúdo prático fundamental ou não. Dispensa comentários que tal decisão trouxe desdobramentos à medida que o quadro epidemiológico foi se agravando. Apesar do curso não possuir tantas limitações quanto outros cursos do instituto, estudantes se viram impossibilitados de realizar as atividades das disciplinas em sua excelência, seja por limitações práticas envolvidas, seja por não possuir material e estrutura adequados para a sua realização ou também pelos inúmeros problemas psicológicos advindos da conjuntura política e sanitária atual. Agora que caminhamos para o fechamento das matérias por ensino remoto, muito se discutiu sobre como seriam realizadas as avaliações de estudantes e, apesar  desse tópico ter gerado muita incerteza durante um bom tempo dentro das instâncias do curso, uma ampla conversa entre alunos e professores foi fundamental para que conseguíssemos chegar em um resultado comum a todes. 

No curso de graduação em Dança, as disciplinas continuaram a ocorrer de forma remota, apesar da falta de preparo formativo das docentes para executar esse tipo de ensino - ressaltando que mesmo antes da pandemia, apesar do reconhecido esforço das docentes, algumas delas ainda não sabem mexer no google classroom ou na plataforma moodle; diversos avisos institucionais são enviados por whatsapp ao invés de haver um comunicado por e-mail que possa atingir maior número de alunes, dentre outros problemas. Além disso, houve desistência das disciplinas por alunes que não estão com acesso a computador e internet, e que não estão em Campinas para buscar equipamentos fornecidos pela Unicamp. Mesmo assim, a coordenação orientou insistentemente que estudantes não desistissem das disciplinas, porque isso geraria uma superlotação das turmas nos próximos anos, sem propor alternativas que priorizem a qualidade da formação e bem estar atual de discentes. As aulas práticas continuam a ocorrer, apesar da má qualidade da internet brasileira - o que gera interrupções frequentes ou inviabiliza a continuidade da execução das atividades - e também de problemas estruturais como falta de espaço/espaço adequado para as práticas, além do risco maior de lesões nesse modo de ensino remoto, sem acompanhamento de docentes para as correções necessárias. Dado o cenário, novamente uma grande discussão acerca do racismo estrutural impregnado em nosso curso foi iniciada. O corpo discente enxerga claras relações  entre as decisões tomadas e esta falta de representatividade excludente. 

Na graduação em Artes Cênicas, aconteceram três reuniões entre corpo discente, docentes e coordenadoras. Apesar da proposta inicial de diálogo, cujo corpo docente buscou ouvir as demandas e singularidades de cada turma, as mesmas/os, em consonância com as deliberações da Reitoria, decidiram que o semestre continuará remotamente; enquanto estratégia, buscou-se criar uma rede de apoio do departamento, a fim de acompanhar as/os alunes que estivessem enfrentando dificuldades. Foi compartilhado com o corpo discente que, no semestre seguinte, as disciplinas serão oferecidas seguindo o catálogo já planejado previamente, sem adaptá-lo à nova realidade imposta pelo contexto pandêmico, apenas com a inclusão de disciplinas complementares que supram eventuais faltas decorridas do ensino remoto. A proposta de continuar com o semestre, apesar de ir contra o desejo des alunes, veio pautada num discurso da criação de um “novo teatro” e de procurar novas formas de fazê-lo, o que de certo modo, manifesta um pensamento excludente, se consideramos quem são as pessoas que têm condições materiais/psicológicas/físicas/saúde/bem estar de seguir com a graduação no atual contexto de exceção. O dispositivo EaD se inseriu, no contexto pandêmico, como uma ferramenta de educação e formação de artistas da cena, mas também como um veiculador do denominado “novo teatro”. Esse dispositivo se mostrou ineficaz e excludente, ao produzir e reproduzir questões de desigualdade, racismo estrutural e por se apresentar descontextualizado da realidade de diverses alunes. É importante ressaltar que para além do acesso aos materiais pedagógicos, há também implicações da ausência de espaço físico e de questões relacionadas à saúde mental. Apesar do trancamento ter sido situado como uma opção para quem não tivesse condições de seguir, houve uma pressão um tanto velada para que as/os alunes seguissem com as matérias mesmo que de forma deficitária, para que não houvesse uma superlotação de turmas ou a sobreposição de PICC’s (Projeto de Criação Integrada) que neste caso viria a acontecer no ano de 2023, sem propor estratégias ou alternativas que priorizem a qualidade da formação e bem estar atual de discentes. No mais, o corpo docente vem se preocupando mais com as consequências, que poderiam ser resolvidas no eventual plano de retomada das atividades presenciais, do que com o atual cenário, onde, por diversas vezes, acabam responsabilizando as/os alunes para resolverem e lidarem com problemas estruturais, que não dizem respeito ao corpo discente.

No curso de Artes Visuais, apesar do despreparo dos docentes para lidarem com a situação, as disciplinas teóricas foram adaptadas ao meio digital através de encontros por chamada de vídeo e as disciplinas práticas majoritariamente não realizaram atividades pela impossibilidade de recursos - os alunos estão sendo orientados a trancarem as disciplinas práticas, uma vez que estas não foram canceladas dentro do prazo. Grande parte das avaliações foram flexibilizadas, apesar de ainda existirem. Foi orientado pelo coordenador e acordado em CG que os professores utilizem a metodologia de atribuição de conceitos ao invés de notas, evitando os conceitos F e I. Para o segundo semestre, as disciplinas teóricas continuarão da mesma forma, enquanto as disciplinas práticas não serão oferecidas - ao invés disso, professores poderão criar disciplinas eletivas que versem sobre suas áreas mas que se encaixem nos moldes digitais. Há a perspectiva de criação de Ateliês Interdisciplinares para atender às demandas práticas quando a realização presencial for possível. Apesar da boa intenção de grande parte do corpo docente, os alunos enfrentam muitas dificuldades com aparatos tecnológicos e no que diz sobre a saúde mental, além de não terem uma garantia completa de que não serão prejudicados.

Na pós-graduação, as maiores dúvidas e inquietações têm a ver com o andamento das pesquisas, os prazos e as bolsas. Muitas das pesquisas envolvem etapas práticas, ensaios, entrevistas, trabalho de campo etc. e ficaram prejudicadas com a quarentena; a falta de acesso às bibliotecas também tem sido prejudicial para a produção acadêmica. As/os estudantes consideram, portanto, que o aumento no prazo de integralização de 3 meses, concedido pela resolução GR 37/2020, é insuficiente visto que a quarentena já ultrapassou esses 3 meses e não há a mais remota previsão de um retorno às atividades. Uma vez que a PRPG mantém a recusa de aumentar a prorrogação para toda a pós-graduação, acreditamos que uma solução seria o Instituto de Artes definir uma prorrogação maior através de uma norma interna, contemplando também o prazo para a qualificação. Com relação à atribuição do conceito S neste semestre, existe o receio de que isso possa prejudicar em futuras seleções de bolsas. 

Outra questão que aflige tanto a graduação quanto a pós-graduação é a falta de extensão das bolsas PAD (Programa de Apoio Didático) e PED (Programa de Estágio Docente), que terão a vigência determinada antes da suspensão das atividades presenciais e do prolongamento do semestre até o fim de agosto. Vale destacar que, por conta da adaptação feita às pressas das disciplinas para o ensino remoto, muitas/os estudantes que estão no PAD e PED estão tendo que trabalhar além de sua carga horária definida pelos programas.

A necessidade de diálogo entre todos os setores do IA:

Sentimos falta de um amplo debate entre estudantes, docentes e funcionários com relação à continuidade do semestre, a perspectiva de mais um semestre com atividades remotas e o que fazer com as disciplinas e pesquisas práticas. Uma ferramenta essencial na resolução de problemas e de possíveis incertezas é o diálogo, que infelizmente tem se mostrado ausente no ambiente da congregação. Assuntos relacionados à continuidade do semestre, formas de avaliação e o ensino remoto em si não entraram como pauta da congregação, sendo sempre necessário que a representação discente peça a inclusão para expor as dúvidas e angústias de estudantes. 

Nosso instituto tem muitas especificidades, então é necessário que todas e todos conversem sobre isso para que possamos juntas/os encontrar as melhores soluções. Principalmente com relação a avaliações, há muitas informações desencontradas e estudantes se sentem confusas/os por não haver critérios bem definidos e divulgados com precisão. 

Para iniciar o debate do ensino remoto, também é imprescindível que o Instituto ou a Universidade realize uma pesquisa entre o corpo discente sobre as suas condições objetivas individuais para dar continuidade ao ensino remoto. Esse levantamento ficou a cargo, até agora, dos Centros Acadêmicos, que infelizmente não possuem estrutura para fazer uma pesquisa profissionalizada que alcance todos os estudantes. Sem isso, o debate sobre o ensino remoto se dará às cegas. 

Para além da congregação, podemos pensar em outros espaços de discussão que com certeza poderiam ser muito benéficos, como reuniões de cursos e/ou a criação de um Grupo de Trabalho para elaborar propostas para o próximo semestre.

Propostas e reivindicações dos estudantes para o encerramento do primeiro semestre:
 
Com base nas discussões fomentadas em assembleias, reuniões do Centro Acadêmico e Associação de Pós-Graduandas/os e em diálogo com representantes discentes das instâncias de nossa unidade, foram levantadas as seguintes reivindicações:
  • Aprovação de todos os estudantes de graduação com conceito S e de pós-graduação com conceito A, sem possibilidade de reprovação neste semestre por nota ou frequência;
  • Aos estudantes dos programas de pós-graduação do IA, a garantia de extensão de 6 meses na integralização, assim como no prazo de qualificação;
  • Convocação de Congregação Extraordinária para que possamos discutir o funcionamento de 2º semestre e encaminhar ações conjuntas de nossa unidade.

Pedimos encarecidamente para que nossas propostas sejam levadas em consideração pela Congregação do Instituto de Artes e que possamos discutir a respeito, reforçando sempre que a representação discente está disposta a ajudar no que for necessário para reduzir os prejuízos para todas e todos. 

Propomos também uma reflexão sobre o momento tão único em que estamos vivendo, sobre todas as dificuldades pelas quais a comunidade do Instituto de Artes como um todo está passando. Nesse contexto, qual é realmente o valor de notas e conceitos? Gostaríamos de terminar citando Paulo Freire, no livro Pedagogia da Autonomia, seção em que diz que ensinar exige bom-senso: “Antes, por exemplo, de qualquer reflexão mais detida e rigorosa é o meu bom-senso que me diz ser tão negativo, do ponto de vista de minha tarefa docente, o formalismo insensível que me faz recusar o trabalho de um aluno por perda de prazo, apesar das explicações convincentes do aluno, quanto o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da entrega dos trabalhos.” (FREIRE, 2015, p. 60) Acreditamos que dialogando e pensando juntes conseguiremos encontrar uma solução que contemple todas e todos.

Assinam esta carta:
CAIA - Centro Acadêmico do Instituto de Artes
APG-IA - Associação de Pós-graduandas/os do Instituto de Artes
Catharina da Cunha Glória - RD da Congregação do IA
Gabriel Henrique de Paula Dias - RD da Congregação do IA
Rodrigo Delghingaro Forti - RD da Congregação do IA
Leonardo Cecilio Caron - RD da Congregação do IA
Helen Bovo Tormina Zanão - RD suplente da Congregação do IA
Marcelo Ferreira Ribeiro - RD suplente da Congregação do IA
Matheus Prado Garcia – RD da Comissão de Graduação da Música
Giulia Soares Martins - RD do Departamento de Música
Luíza Schilling Lopes - RD da Comissão de Graduação de Artes Visuais
Gabriel Vinicius da Rosa - RD da Comissão de Graduação da Midialogia
Ligia Ribeiro dos Anjos- RD do Departamento de Midialogia
Bianca de Abreu Meciano - RD da Comissão de Graduação da Dança
Isadora do Prado Ifanger - RD da Comissão de Graduação de Artes Cênicas
Liciane Timoteo de Mamede - RD da Comissão de Pós-Graduação de Multimeios
Eduardo D’Urso Hebling - RD da Comissão de Pós-Graduação da Música
Tales Eduardo Pelison Botechia - RD da Comissão de Pós-Graduação do IA

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