quarta-feira, 1 de abril de 2020

Posicionamento da APG Central sobre a continuidade do semestre

A Associação de Pós-graduandas e Pós-graduandos da Unicamp vem somando esforços no sentido de acolher as demandas de estudantes de pós-graduação em relação às incertezas que o atual momento impõe sobre todos nós. Uma de nossas ações foi a criação de um formulário online que foi massivamente divulgado — inclusive pelo e-mail da DAC — no qual perguntamos sobre as maiores preocupações no momento e sobre as possibilidades e limitações que o modelo de ensino à distância proposto pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação imporia a eles. Ao todo, 1265 estudantes responderam, e diante das informações que chegaram a nós, através deste formulário e de relatos enviados também pelas redes sociais, nos parece inadequado manter este modelo de atividades neste contexto, motivo pelo qual nos posicionamos contrários à continuidade das disciplinas à distância.
























Ainda que uma parte dos alunos disponha de recursos e possibilidade para acompanhar as aulas online e realizar atividades à distância, esta não é a realidade de todos. Sabemos que as condições financeiras muitas vezes não permitem aos estudantes a aquisição de Internet de alta velocidade; aqueles que vêm para Barão Geraldo viver em repúblicas, kitnets ou pensionatos, frequentemente lidam com instabilidade de conexão (o que piorou consideravelmente devido ao aumento na utilização com as pessoas em isolamento social) — isso sem contar aqueles que sequer possuem computadores em suas casas e necessitam dos laboratórios da Unicamp para realizar suas atividades.

Foi oferecida a alternativa de trancamento de disciplinas, supostamente sem prejuízos para as pessoas que optarem por ela, no entanto, consideramos que isso fere o princípio de isonomia no que se refere ao acesso à educação e aumenta as desigualdades entre estudantes. A continuidade do semestre não é uma opção democrática e plausível para todos/as/es. Reconhecemos os esforços por parte do grupo de voluntariado para conseguir doações, porém isso não resolverá o problema de estudantes que voltaram para cidades que não possuem Internet de qualidade ou dos pesquisadores que precisam lidar com demandas familiares ou de cunho socioeconômicos mais graves devido ao período, por falta de trabalho ou outras necessidades. Vale ressaltar inclusive, que respostas em nosso formulário mencionaram colegas que estão sem acesso à Internet e, portanto, não conseguiram sequer preencher nosso formulário, quem dirá realizar de forma qualitativa as atividades acadêmicas.

As consultas feitas pelos professores sobre a manutenção ou não das atividades à distância, por terem sido feitas através de e-mail e do Google Classroom, não atinge justamente aqueles que estão sem acesso à internet ou impossibilitados de acompanhar os e-mails acadêmicos. Lembramos que estes alunos, ao serem consultados individualmente pelos professores sobre a possibilidade de prosseguir com as atividades à distância, muitas vezes não se sentem à vontade para expor sua situação, causando constrangimentos diversos.

Além disso, lembramos que dentre os alunos de pós-graduação, muitos possuem filhos e parentes que necessitam de atenção e cuidados especiais nesse momento. Trata-se de um momento singular; as pessoas não estão tranquilamente em suas casas com tempo ocioso; pelo contrário, a carga de afazeres aumentou consideravelmente para muitas pessoas. Tivemos relatos de pessoas que estão em quarentena com medo de transmitir a doença para familiares, estudantes da área da saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia, pessoas preocupadas com sua família em outra cidade, a perda de empregos que resultam na instabilidade financeira e emocional, dentre muitos outros casos. Tudo isso afeta consideravelmente a saúde mental já precária de pós-graduandos. A obrigatoriedade e a pressão com prazos são nocivos, o que agrava neste momento. Diante disso, consideramos que a manutenção das aulas em formato online é uma proposta insensível que irá penalizar estudantes de forma individual por uma pandemia que afeta a todos.

Apontamos também que, conforme temos observado nos últimos dias, a maior parte dos docentes não possui treinamento suficiente das ferramentas de comunicação e ensino à distância, o que, naturalmente é compreensível, considerando que a Unicamp não é uma universidade de modalidade EaD. Como bem colocado pela Associação de Pós-Graduandas/os do Instituto de Artes da Unicamp (APG-IA) em sua carta aberta, publicada no dia 26 de março, “antes de mais nada, é preciso deixar claro que Ensino à Distância (EaD) é uma modalidade de ensino complexa, com suas próprias lógicas de funcionamento, que demanda um preparo específico por parte dos usuários, bem como a garantia ao acesso a recursos que permitam seu funcionamento integral. O simples fato de fazer conversas ou “aulas” por Skype ou o envio de vídeos, não configura o Ensino à Distância. Para o EaD, os programas das disciplinas são elaborados tendo em vista todo o ethos que ele constitui. Não se trata somente do acesso às plataformas, mas toda uma alfabetização e treinamento para lidar com o ensino e aprendizado à distância. São outras linguagens, outras espacialidades, outras temporalidades e outros modos de interação (interpessoal, por ex., bem como docente-aluno). Os docentes têm que estar preparado para pensar seus conteúdos e aulas nesse outro contexto”. Entretanto, esse fato acaba prejudicando muito o desenvolvimento e a qualidade dos debates e do ensino de um modo geral, especialmente na pós-graduação, cuja complexidade exige uma participação mais ativa e intensa do estudante e é imprescindível ter acesso aos espaços físicos e infraestrutura da universidade para a boa execução das disciplinas e pesquisas. A Unicamp é uma universidade cuja excelência é reconhecida internacionalmente e não podemos priorizar o cumprimento do calendário em detrimento da qualidade da formação de nossos estudantes e do acesso aos instrumentos necessários para a produção científica.

Consideramos que a situação de pandemia mundial, o ataque infindável por parte do governo Bolsonaro, por meio do MEC, à pós-graduação, como expressos no cortes de verbas, no recente corte de programas e reajuste de fornecimento de bolsas CAPES (Portaria 34), nos ataques às áreas das ciências humanas (como pode ser visto nas contas de Twitter do Ministro da Educação e na Portaria 1.222/2020 do MCTIC, que retira as Humanidades das políticas de fomento à pesquisa) juntamente à condição de isolamento social, concluem-se em sérios prejuízos particulares e coletivos para a pós-graduação, que impossibilitam que este semestre continue com qualidade e com qualquer sensação de normalidade.

Estamos igualmente preocupados com aqueles que dependem dos prazos de integralização, uma das maiores preocupações expostas em nosso formulário. Reforçamos que não estamos em uma situação de normalidade, muito pelo contrário. Portanto, endossamos a proposta de retomada das atividades ao final do período de isolamento social, com alteração do calendário e a execução do ano letivo de maneira condensada, buscando respeitar o prazo de fevereiro do ano que vem para conclusão das atividades. Colocamo-nos à disposição para discutir e colaborar com a alteração de calendário de forma que contemple todas e todos.

Consideramos que, frente a todas as perdas humanas e econômicas durante esta crise, é papel da Unicamp garantir que as atividades acadêmicas continuem sendo acessíveis a todos os estudantes. Preocupamo-nos igualmente com aqueles que buscam suporte nas atividades e encontros à distância para lidar com o isolamento, então nos comprometemos a desenvolver formas de compartilhamento de ideias e produção de material que possa envolver os pós-graduandos, suas pesquisas e a comunidade externa. Além disso, nada impede que os professores façam sugestões de leituras e materiais online, mas que estas sugestões não sejam colocadas como conteúdo obrigatório e passíveis de avaliação, devendo esta ser efetuada após o retorno das atividade, de modo que sejam acessíveis e passíveis de realização por todos.

Da mesma forma, incentivamos àqueles que possam, que deem andamento às suas pesquisas e trabalhos individuais durante este período. Reforçamos, entretanto, que muitas das pesquisas não podem ser continuadas neste momento devido à impossibilidade de realizar coleta de dados, fazer pesquisa de campo ou utilizar os laboratórios da Unicamp, sendo necessário também uma ampliação do prazo de integralização por tempo equivalente ao do isolamento social para que todas as pesquisas possam ser concluídas sem nenhum tipo de prejuízo.

Por fim, reiteramos a profunda necessidade de maior rigidez na fiscalização da carga horária dos estágios PED, uma vez que temos recebido relatos de que, docentes sem acesso ou conhecimento das tecnologias digitais, transferiram aos seus estagiários (discentes) a responsabilidade pela adequação e mesmo, a transmissão da disciplina nos ambientes digitais.

Novamente, apelamos ao Magnífico Reitor e à Pró-Reitora de Pós-Graduação para que, assim como a Ufal, UFBA, Ufcariri, UFRN, UFSB, UDESC, UFPE, UFERSA, UFPR, UNEMAT, UNB, UEMG, UNILAB, UFJF, UFES, UFMG, UFU, UFGD, UFABC , UNILA e UFG, suspenda as atividades à distância para a pós-graduação visando manter o caráter inclusivo e a excelência de nossos cursos de pós-graduação, com posterior adequação de calendário letivo e ampliação do prazo de integralização para não prejudicar o andamento das pesquisas e que ninguém seja excluído/a do acesso aos recursos necessários para a plena realização dos pilares universitários ensino, pesquisa e extensão e que garantem a qualidade e a democracia no acesso, desenvolvimento e produção de conhecimento.

Campinas, 30 de março de 2020.
Associação de Pós-graduandas e Pós-graduandos da Unicamp (APG-UNICAMP).


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