A Associação de Pós-graduandas e Pós-graduandos da Unicamp vem somando
esforços no sentido de acolher as demandas de estudantes de
pós-graduação em relação às incertezas
que o atual momento impõe sobre todos nós. Uma de nossas ações foi a
criação de um formulário online que foi massivamente divulgado —
inclusive pelo e-mail da DAC — no qual perguntamos sobre as maiores
preocupações no momento e sobre as possibilidades e limitações que o
modelo de ensino à distância proposto pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação
imporia a eles. Ao todo, 1265 estudantes responderam, e diante das
informações que chegaram a nós, através deste formulário e de relatos
enviados também pelas redes sociais, nos parece inadequado manter este
modelo de atividades neste contexto, motivo pelo qual nos posicionamos
contrários à continuidade das disciplinas à distância.
Ainda
que uma parte dos alunos disponha de recursos e possibilidade para
acompanhar as aulas online e realizar atividades à distância, esta não é
a realidade de todos. Sabemos que as condições financeiras muitas vezes
não permitem aos estudantes a aquisição de Internet de alta velocidade;
aqueles que vêm para Barão Geraldo viver em repúblicas, kitnets ou
pensionatos, frequentemente lidam com instabilidade de conexão (o que
piorou consideravelmente devido ao aumento na utilização com as pessoas
em isolamento social) — isso sem contar aqueles que sequer possuem
computadores em suas casas e necessitam dos laboratórios da Unicamp para
realizar suas atividades.
Foi
oferecida a alternativa de trancamento de disciplinas, supostamente sem
prejuízos para as pessoas que optarem por ela, no entanto, consideramos
que isso fere o princípio de isonomia no que se refere ao acesso à
educação e aumenta as desigualdades entre estudantes. A continuidade do
semestre não é uma opção democrática e plausível para todos/as/es.
Reconhecemos os esforços por parte do grupo de voluntariado para
conseguir doações, porém isso não resolverá o problema de estudantes que
voltaram para cidades que não possuem Internet de qualidade ou dos
pesquisadores que precisam lidar com demandas familiares ou de cunho
socioeconômicos mais graves devido ao período, por falta de trabalho ou
outras necessidades. Vale ressaltar inclusive, que respostas em nosso
formulário mencionaram colegas que estão sem acesso à Internet e,
portanto, não conseguiram sequer preencher nosso formulário, quem dirá
realizar de forma qualitativa as atividades acadêmicas.
As
consultas feitas pelos professores sobre a manutenção ou não das
atividades à distância, por terem sido feitas através de e-mail e do
Google Classroom, não atinge justamente aqueles que estão sem acesso à
internet ou impossibilitados de acompanhar os e-mails acadêmicos.
Lembramos que estes alunos, ao serem consultados individualmente pelos
professores sobre a possibilidade de prosseguir com as atividades à
distância, muitas vezes não se sentem à vontade para expor sua situação,
causando constrangimentos diversos.
Além
disso, lembramos que dentre os alunos de pós-graduação, muitos possuem
filhos e parentes que necessitam de atenção e cuidados especiais nesse
momento. Trata-se de um momento singular; as pessoas não estão
tranquilamente em suas casas com tempo ocioso; pelo contrário, a carga
de afazeres aumentou consideravelmente para muitas pessoas. Tivemos
relatos de pessoas que estão em quarentena com medo de transmitir a
doença para familiares, estudantes da área da saúde que estão na linha
de frente do combate à pandemia, pessoas preocupadas com sua família em
outra cidade, a perda de empregos que resultam na instabilidade
financeira e emocional, dentre muitos outros casos. Tudo isso afeta
consideravelmente a saúde mental já
precária de pós-graduandos. A obrigatoriedade e a pressão com prazos são
nocivos, o que agrava neste momento. Diante disso, consideramos que a
manutenção das aulas em formato online é uma proposta insensível que irá
penalizar estudantes de forma individual por uma pandemia que afeta a
todos.
Apontamos
também que, conforme temos observado nos últimos dias, a maior parte
dos docentes não possui treinamento suficiente das ferramentas de
comunicação e ensino à distância, o que, naturalmente é compreensível,
considerando que a Unicamp não é uma universidade de modalidade EaD.
Como bem colocado pela Associação de Pós-Graduandas/os do Instituto de
Artes da Unicamp (APG-IA) em sua carta aberta, publicada no dia 26 de março, “antes de mais nada, é preciso deixar claro que Ensino à
Distância (EaD) é uma modalidade de ensino complexa, com suas próprias
lógicas de funcionamento, que demanda um preparo específico por parte
dos usuários, bem como a garantia ao acesso a recursos que permitam seu
funcionamento integral. O simples fato de fazer conversas ou “aulas” por
Skype ou o envio de vídeos, não configura o Ensino à Distância. Para o
EaD, os programas das disciplinas são elaborados tendo em vista todo o
ethos que ele constitui. Não se trata somente do acesso às plataformas,
mas toda uma alfabetização e treinamento para lidar com o ensino e
aprendizado à distância. São outras linguagens, outras espacialidades,
outras temporalidades e outros modos de interação (interpessoal, por
ex., bem como docente-aluno). Os docentes têm que estar preparado para
pensar seus conteúdos e aulas nesse outro contexto”. Entretanto, esse
fato acaba prejudicando muito o desenvolvimento e a qualidade dos
debates e do ensino de um modo geral, especialmente na pós-graduação,
cuja complexidade exige uma participação mais ativa e intensa do
estudante e é imprescindível ter acesso aos espaços físicos e infraestrutura da universidade para a boa execução das disciplinas e pesquisas.
A Unicamp é uma universidade cuja excelência é reconhecida
internacionalmente e não podemos priorizar o cumprimento do calendário
em detrimento da qualidade da formação de nossos estudantes e do acesso
aos instrumentos necessários para a produção científica.
Consideramos
que a situação de pandemia mundial, o ataque infindável por parte do
governo Bolsonaro, por meio do MEC, à pós-graduação, como expressos no
cortes de verbas, no recente corte de programas e reajuste de
fornecimento de bolsas CAPES (Portaria 34), nos ataques às áreas das
ciências humanas (como pode ser visto nas contas de Twitter do Ministro
da Educação e na Portaria 1.222/2020 do MCTIC, que retira as Humanidades
das políticas de fomento à pesquisa) juntamente à condição de
isolamento social, concluem-se em sérios prejuízos particulares e
coletivos para a pós-graduação, que impossibilitam que este semestre
continue com qualidade e com qualquer sensação de normalidade.
Estamos
igualmente preocupados com aqueles que dependem dos prazos de
integralização, uma das maiores preocupações expostas em nosso
formulário. Reforçamos que não estamos em uma situação de normalidade,
muito pelo contrário. Portanto, endossamos a proposta de retomada das atividades ao final do período de isolamento social, com alteração do calendário
e a execução do ano letivo de maneira condensada, buscando respeitar o
prazo de fevereiro do ano que vem para conclusão das atividades.
Colocamo-nos à disposição para discutir e colaborar com a alteração de
calendário de forma que contemple todas e todos.
Consideramos
que, frente a todas as perdas humanas e econômicas durante esta crise, é
papel da Unicamp garantir que as atividades acadêmicas continuem sendo
acessíveis a todos os estudantes.
Preocupamo-nos igualmente com aqueles que buscam suporte nas atividades e
encontros à distância para lidar com o isolamento, então nos
comprometemos a desenvolver formas de compartilhamento de ideias e
produção de material que possa envolver os pós-graduandos, suas
pesquisas e a comunidade externa. Além disso, nada impede que os
professores façam sugestões de leituras e
materiais online, mas que estas sugestões não sejam colocadas como
conteúdo obrigatório e passíveis de avaliação, devendo esta ser efetuada
após o retorno das atividade, de modo que sejam acessíveis e passíveis
de realização por todos.
Da
mesma forma, incentivamos àqueles que possam, que deem andamento às
suas pesquisas e trabalhos individuais durante este período. Reforçamos,
entretanto, que muitas das pesquisas não podem ser continuadas neste
momento devido à impossibilidade de realizar coleta de dados, fazer
pesquisa de campo ou utilizar os laboratórios da Unicamp, sendo
necessário também uma ampliação do prazo de integralização por tempo
equivalente ao do isolamento social para que todas as pesquisas possam
ser concluídas sem nenhum tipo de prejuízo.
Por
fim, reiteramos a profunda necessidade de maior rigidez na fiscalização
da carga horária dos estágios PED, uma vez que temos recebido relatos
de que, docentes sem acesso ou conhecimento das tecnologias digitais,
transferiram aos seus estagiários (discentes) a responsabilidade pela
adequação e mesmo, a transmissão da disciplina nos ambientes digitais.
Novamente,
apelamos ao Magnífico Reitor e à Pró-Reitora de Pós-Graduação para que,
assim como a Ufal, UFBA, Ufcariri, UFRN, UFSB, UDESC, UFPE, UFERSA,
UFPR, UNEMAT, UNB, UEMG, UNILAB, UFJF, UFES, UFMG, UFU, UFGD, UFABC ,
UNILA e UFG, suspenda as atividades à distância para a pós-graduação
visando manter o caráter inclusivo e a excelência de nossos cursos de
pós-graduação, com posterior adequação de calendário letivo e ampliação
do prazo de integralização para não prejudicar o andamento das pesquisas
e que ninguém seja excluído/a do acesso aos recursos necessários para a
plena realização dos pilares universitários ensino, pesquisa e extensão
e que garantem a qualidade e a democracia no acesso, desenvolvimento e
produção de conhecimento.
Campinas, 30 de março de 2020.
Associação de Pós-graduandas e Pós-graduandos da Unicamp (APG-UNICAMP).
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