domingo, 29 de março de 2020

Carta aberta da APG-IA sobre quarentena, transposição das aulas para meio online e planejamentos acadêmicos

Carta aberta da APG-IA sobre quarentena, transposição das aulas para meio online e planejamentos acadêmicos


















A Unicamp está propondo a continuação das atividades via plataformas digitais para não atrasar o calendário letivo, o que incluiria, por exemplo, videoaulas. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que Ensino à Distância (EaD) é uma modalidade de ensino complexa, com suas próprias lógicas de funcionamento, que demanda um preparo específico por parte dos usuários, bem como a garantia a acesso a recursos que permitam seu funcionamento integral. O simples fato de fazer conversas ou “aulas” por Skype ou o envio de vídeos, não configura o Ensino à Distância. Para o EaD, os programas das disciplinas são elaborados tendo em vista todo o ethos que ele constitui. Não se trata somente do acesso às plataformas, mas toda uma alfabetização e treinamento para lidar com o ensino e aprendizado à distância. São outras linguagens, outras espacialidades, outras temporalidades e outros modos de interação (interpessoal, por ex., bem como docente-aluno). Os docentes têm que estar preparado para pensar seus conteúdos e aulas nesse outro contexto - e muitos docentes que dão aulas presenciais não estão. E não é culpa deles. Porém, por causa da inabilidade com tecnologias, muitos docentes estão sobrecarregando PEDs para cuidar das videoaulas e do conteúdo online da disciplina - o que não é a função do PED!



Ou seja, o ensino à distância, quando não planejado e elaborado tendo em vista todo o contexto e ferramentas que a educação EaD solicita, pode representar um prejuízo para os cursos que foram elaborados para o contexto presencial, considerando que os debates em sala de aula e os vetores práticos das disciplinas estão previstos de modos distintos no plano digital e no presencial. Além disso, a Unicamp não dispõe de ferramentas de tecnologias educacionais suficientes para adotar aulas à distância, e muito menos formação continuada dos docentes para atuação nessa modalidade de ensino, trazendo transtornos tanto para os docentes quanto para os estudantes.

Além das questões sobre o EaD em si, precisamos considerar se estudantes têm as condições materiais e de saúde física e mental para continuar o semestre neste momento. São questões classistas: é necessário ter computador e internet de boa qualidade, pois não adianta participar de uma aula por videoconferência que trava a todo instante; pode-se argumentar que todos têm acesso ao celular, mas sabemos que este aparelho não possui as condições necessárias para uma atividade desta natureza ser produtiva – além do que, muitos estudantes utilizam os planos telefônicos mais baratos, que preveem internet somente para acesso a redes sociais e email. No que se refere às questões de saúde física e mental, não se pode esquecer que estamos no meio de uma PANDEMIA. Não é uma “gripezinha” que vai passar em uma ou duas semanas. Analisando os cenários de outros países, tudo indica que vamos ter que ficar em isolamento social por meses. Pessoas vão adoecer. Pode ser que estudantes e docentes tenham que cuidar de familiares doentes. Com as escolas fechadas, estudantes e professoras que são mães estão tendo que cuidar de suas crianças, o que demanda muito tempo e atenção, afinal as crianças não podem sair de casa e isso é muito estressante para elas (esta também é uma demanda de pais, mas sabemos que estruturalmente as mães sempre são as mais atingidas). Nessas circunstâncias, é cruel exigir que docentes continuem preparando aula e estudantes continuem as atividades como se nada estivesse acontecendo.

A PRG (Pró-Reitoria de Graduação) e a PRPG (Pró-Reitoria de Pós-Graduação) informaram que quem não tiver condições de seguir com as atividades à distância poderá trancar as disciplinas sem prejuízos. Ora, o próprio fato de atrasar o semestre já é um prejuízo. Em nosso Instituto as disciplinas são oferecidas uma vez ao ano, então na prática seria atrasar um ano. Não se trata de uma mera escolha. Na pós-graduação sofremos muita pressão para cumprir prazos, sermos produtivos. Se em uma situação normal isso já é um grave problema, na atual circunstância, manter esse modus operandi é inadmissível. Essa situação está causando muita angústia. Tem estudantes que não se sentem confortáveis para conversar com a turma, com docentes, com sua orientadora ou orientador. E esse cenário onde algumas disciplinas continuam e outras não, alguns estudantes seguem o semestre e outros trancam, fere o princípio de igualdade da universidade pública.

Na noite do dia 24/03 a Reitoria publicou uma GR que dispõe sobre a continuação das atividades, onde deixa explícito que estudantes de graduação precisam estar matriculados e atuantes nas disciplinas para receber as bolsas BAS e BAEF. Isso é inaceitável, pois são as/os bolsistas que têm mais vulnerabilidade social e possivelmente menos condições de acessar internet para as atividades impostas. Por isso, solidarizamo-nos com a graduação!
Assim, com todas essas ponderações, a APG-IA se manifesta contra a continuidade do semestre online e a favor da suspensão imediata de todas as atividades. Evidentemente recomendamos que as pessoas busquem atividades para se manter ocupadas durante o isolamento social, mas institucionalmente não deve haver qualquer tipo de cobrança ou exigência. Nos mantemos à disposição para auxiliar a Direção do Instituto de Artes, ao final desta crise, a pensar em formas de reorganizar as atividades de modo que todos os estudantes tenham iguais oportunidades de acessar os conhecimentos que lhes são de direito. E estamos à disposição de estudantes para ajudar também no que for necessário.

COM EDUCAÇÃO NÃO SE IMPROVISA!
Associação de Pós-Graduandas/os do Instituto de Artes da Unicamp
25 de março de 2020

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