A Unicamp está propondo a continuação das atividades via
plataformas digitais para não atrasar o calendário letivo, o que
incluiria, por exemplo, videoaulas. Antes de mais nada, é preciso deixar
claro que Ensino à Distância (EaD) é uma modalidade de ensino complexa,
com suas próprias lógicas de funcionamento, que demanda um preparo
específico por parte dos usuários, bem como a garantia a acesso a
recursos que permitam seu funcionamento integral. O simples fato de
fazer conversas ou “aulas” por Skype ou o envio de vídeos, não configura
o Ensino à Distância. Para o EaD, os programas das disciplinas são
elaborados tendo em vista todo o ethos que ele constitui. Não se trata
somente do acesso às plataformas, mas toda uma alfabetização e
treinamento para lidar com o ensino e aprendizado à distância. São
outras linguagens, outras espacialidades, outras temporalidades e outros
modos de interação (interpessoal, por ex., bem como docente-aluno). Os
docentes têm que estar preparado para pensar seus conteúdos e aulas
nesse outro contexto - e muitos docentes que dão aulas presenciais não
estão. E não é culpa deles. Porém, por causa da inabilidade com
tecnologias, muitos docentes estão sobrecarregando PEDs para cuidar das
videoaulas e do conteúdo online da disciplina - o que não é a função do
PED!
Ou seja, o ensino à distância, quando não planejado e
elaborado tendo em vista todo o contexto e ferramentas que a educação
EaD solicita, pode representar um prejuízo para os cursos que foram
elaborados para o contexto presencial, considerando que os debates em
sala de aula e os vetores práticos das disciplinas estão previstos de
modos distintos no plano digital e no presencial. Além disso, a Unicamp
não dispõe de ferramentas de tecnologias educacionais suficientes para
adotar aulas à distância, e muito menos formação continuada dos docentes
para atuação nessa modalidade de ensino, trazendo transtornos tanto
para os docentes quanto para os estudantes.
Além das questões
sobre o EaD em si, precisamos considerar se estudantes têm as condições
materiais e de saúde física e mental para continuar o semestre neste
momento. São questões classistas: é necessário ter computador e internet
de boa qualidade, pois não adianta participar de uma aula por
videoconferência que trava a todo instante; pode-se argumentar que todos
têm acesso ao celular, mas sabemos que este aparelho não possui as
condições necessárias para uma atividade desta natureza ser produtiva –
além do que, muitos estudantes utilizam os planos telefônicos mais
baratos, que preveem internet somente para acesso a redes sociais e
email. No que se refere às questões de saúde física e mental, não se
pode esquecer que estamos no meio de uma PANDEMIA. Não é uma
“gripezinha” que vai passar em uma ou duas semanas. Analisando os
cenários de outros países, tudo indica que vamos ter que ficar em
isolamento social por meses. Pessoas vão adoecer. Pode ser que
estudantes e docentes tenham que cuidar de familiares doentes. Com as
escolas fechadas, estudantes e professoras que são mães estão tendo que
cuidar de suas crianças, o que demanda muito tempo e atenção, afinal as
crianças não podem sair de casa e isso é muito estressante para elas
(esta também é uma demanda de pais, mas sabemos que estruturalmente as
mães sempre são as mais atingidas). Nessas circunstâncias, é cruel
exigir que docentes continuem preparando aula e estudantes continuem as
atividades como se nada estivesse acontecendo.
A PRG
(Pró-Reitoria de Graduação) e a PRPG (Pró-Reitoria de Pós-Graduação)
informaram que quem não tiver condições de seguir com as atividades à
distância poderá trancar as disciplinas sem prejuízos. Ora, o próprio
fato de atrasar o semestre já é um prejuízo. Em nosso Instituto as
disciplinas são oferecidas uma vez ao ano, então na prática seria
atrasar um ano. Não se trata de uma mera escolha. Na pós-graduação
sofremos muita pressão para cumprir prazos, sermos produtivos. Se em uma
situação normal isso já é um grave problema, na atual circunstância,
manter esse modus operandi é inadmissível. Essa situação está causando
muita angústia. Tem estudantes que não se sentem confortáveis para
conversar com a turma, com docentes, com sua orientadora ou orientador. E
esse cenário onde algumas disciplinas continuam e outras não, alguns
estudantes seguem o semestre e outros trancam, fere o princípio de
igualdade da universidade pública.
Na noite do dia 24/03 a
Reitoria publicou uma GR que dispõe sobre a continuação das atividades,
onde deixa explícito que estudantes de graduação precisam estar
matriculados e atuantes nas disciplinas para receber as bolsas BAS e
BAEF. Isso é inaceitável, pois são as/os bolsistas que têm mais
vulnerabilidade social e possivelmente menos condições de acessar
internet para as atividades impostas. Por isso, solidarizamo-nos com a
graduação!
Assim, com todas essas ponderações, a APG-IA se
manifesta contra a continuidade do semestre online e a favor da
suspensão imediata de todas as atividades. Evidentemente recomendamos
que as pessoas busquem atividades para se manter ocupadas durante o
isolamento social, mas institucionalmente não deve haver qualquer tipo
de cobrança ou exigência. Nos mantemos à disposição para auxiliar a
Direção do Instituto de Artes, ao final desta crise, a pensar em formas
de reorganizar as atividades de modo que todos os estudantes tenham
iguais oportunidades de acessar os conhecimentos que lhes são de
direito. E estamos à disposição de estudantes para ajudar também no que
for necessário.
COM EDUCAÇÃO NÃO SE IMPROVISA!
Associação de Pós-Graduandas/os do Instituto de Artes da Unicamp
25 de março de 2020
25 de março de 2020
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